«COMPETÊNCIAS
ESPECÍFICAS INERENTES À APRENDIZAGEM DA LEITURA
De
entre as competências intrínsecas à aprendizagem inicial da leitura
encontram-se, intimamente relacionadas, a consciência fonológica e o domínio do
princípio alfabético.
Com efeito, uma reflectida e consciente
problematização norteada pelo National Reading Panel (2000), sinalizou um
conjunto de pontos fulcrais de procedimentos efectivos no que se refere ao
ensino da leitura:
CONHECIMENTO
E DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO
As
crianças, quando começam a dominar a linguagem oral, dão mais atenção ao
significado do que dizem ou ouvem, não se preocupando tanto com o som das
palavras (Martins, 1996; Sim-Sim, 2006). Só à medida que vão evoluindo
linguisticamente é que começam a reconhecer que as palavras são constituídas
por sons e que esses sons existem isoladamente e podem ser manipulados
(Martins, 2000; Sim-Sim, 2006).
A
consciência de que a fala pode ser segmentada em unidades fonológicas de
tamanhos diferentes implica um conhecimento explícito da linguagem, diferente
portanto do conhecimento implícito que qualquer falante precisa de ter para
poder compreender e produzir a linguagem oral (Martins, 1996). Mais ainda, “ao
adquirir e usar a linguagem oral de forma espontânea, a criança vai-se também
sensibilizando ao conhecimento das propriedades da língua” (Sim-Sim, 2006: 65).
Na
verdade, “(…) cada língua serve-se de um determinado conjunto de sons para
construir o seu sistema fonológico” (Barbeiro, 2000: 119) e a “capacidade que
os falantes têm de manipular os formatos fonéticos dos seus enunciados decorre
do seu conhecimento fonológico (Freitas & Santos, 2001:15). Adquirir e
dominar tal conhecimento significa que a criança estará apta a perceber e
produzir significados diferentes e tratar de modo perceptivo essas diferenças,
graças ao domínio dos movimentos articulatórios utilizados na produção dessas
características distintivas.
Por
outro lado, conseguirá igualmente identificar as sequências permitidas e não
permitidas na sua língua, pois cada língua apresenta regularidades quanto às
sequências de sons que surgem em determinadas posições (Barbeiro, 2000). Com efeito,
“quando assumimos uma atitude normativa, que nos leva a afirmar que o formato
fonético de determinada palavra é correcto ou incorrecto, é uma vez mais o
conhecimento fonológico que condiciona esse julgamento” (Freitas & Santos,
2001:16).
Nesta
ordem de ideias, “ (…) a primeira tarefa da escola deverá ser a de promover,
através de um treino sistemático, o desenvolvimento da sensibilidade aos aspectos
fónicos da língua, com o objectivo da promoção da consciência fonológica,
entendida como a capacidade de identificar e de manipular as unidades do real”
(Freitas, Alves & Costa, 2007:9). A prática educacional,
terapêutica e científica, tem chegado recentemente a uma mesma conclusão:
dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita estão intimamente relacionadas
com o fraco desempenho em tarefas que envolvem a consciência fonológica por
parte das crianças (Freitas, Alves & Costa, 2007:29).
Assim
sendo, o trabalho centrado em tarefas relacionadas com a consciência
fonológica, na escola, realizado desde cedo, de forma contínua e continuada, generalizado
a toda a população infantil, ajudará na promoção do sucesso escolar,
funcionando ainda como medida de prevenção do insucesso na leitura e na
escrita: “a sistematicidade e a consistência constituem as palavras-chave de
uma metodologia para a estimulação da oralidade e para o desenvolvimento da
consciência fonológica. A realização diária de exercícios com estruturas
similares mas com conteúdos distintos, consistentes e promotores de um
determinado resultado ajudam à indução, à instalação, à consolidação e,
finalmente, à automatização do processamento (meta)fonológico (funcionamento
explícito da consciência fonológica)” Freitas, Alves & Costa, 2007:29).
CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA
Relativamente
à definição do conceito de consciência fonológica
muitos têm sido os contributos de autores que se preocupam em perceber de que
forma as crianças lidam com a linguagem oral, nomeadamente como se processa a
transição entre a simples percepção da similitude sonora da sua língua materna,
até à manipulação consciente de sons da sua fala.
Na
verdade, as crianças, em idade pré-escolar, começam a desenvolver,
progressivamente, formas várias de reflexão sobre a sua língua materna a que
vários autores se têm referido como manifestações da consciência linguística
(Sim-Sim, 1998), destacando-se de entre estas a consciência fonológica.
Autores
como Cruz (2005) sugerem a existência de uma “relação causal bidireccional”
entre a consciência fonológica e a aprendizagem da leitura, ou seja, é possível
desenvolver a consciência fonológica antes da aprendizagem da leitura para esta
ser mais facilitada e ao aprender a ler a consciência fonológica desenvolve-se
e amplia-se.
Com
efeito, vários têm sido os estudos que têm verificado e apontado para uma intrínseca relação entre consciência fonológica e aprendizagem da
leitura, embora sob distintos pontos de vista: uns
indicando um vasto conjunto de evidências experimentais e correlacionais entre
consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura (National Reading
Panel, 2000; Silva, 2002); outros mostrando que dado um sistema de escrita como
o nosso, em que nem sempre existe uma correspondência unívoca grafema-fonema e
vice-versa, beneficia, por sua vez, o desenvolvimento da consciência fonológica
(Morais, 1997); outros ainda mostrando que a consciência fonológica funcionará
como causa e consequência da aprendizagem da leitura (Silva, 2003). Desta forma,
a noção de consciência fonológica tem sido, por isso, alvo de várias definições.
Todavia,
importa, antes de mais, proceder a uma definição do conceito.
De
um modo mais generalizado, Nascimento (2004) defende que o conceito de
consciência fonológica diz respeito à aptidão metalinguística da tomada de
consciência das características formais da linguagem. Para o autor, a consciência
fonológica ou o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem
desenvolve-se nas crianças através do contacto destas com a linguagem oral do
meio onde se inserem. Como tal, é na relação com as diferentes formas de
expressão oral que estas habilidades metalinguísticas se desenvolvem, desde que
a criança se vê imersa no mundo linguístico.
Já
Cielo (2001 in Rubens, 2007), por sua
vez, aposta numa definição mais concisa de consciência fonológica,
apresentando-a enquanto capacidade de manipular e analisar os segmentos
fonológicos sem haver uma preocupação com o conteúdo comunicacional da
mensagem, ou seja, requer que a criança ignore o significado e preste atenção à
estrutura da palavra.
Porém,
autores há que defendem que a expressão consciência fonológica deveria apenas
ser utilizada nas situações em que o que está em causa é uma manipulação
consciente dos sons individuais ou agrupados da língua materna, enquanto
unidades abstractas (Adams, 1994).
É
pois, a este propósito que Gombert (1990) propõe uma distinção clara e precisa
entre consciência fonológica e comportamento epifonológicos. Enquanto a
primeira remeterá para a capacidade de identificar as componentes fonológicas e
de as manipular de uma forma consciente, controlada e voluntária, a segunda
corresponderá a comportamentos/habilidades que revelam a capacidade de
discriminar, desde cedo, o elenco dos sons da língua materna, ocorrendo de
forma intuitiva e espontânea, por isso não consciente.
Na
mesma linha de pensamento, Bryant e Bradley (1985 in Lopes, 2004) defendem que a consciência fonológica poderá ser
compreendida como um conjunto de aptidões que vão desde a simples percepção do
global do tamanho da palavra e de semelhanças fonológicas entre as palavras,
até à segmentação e manipulação de sílabas e fonemas, que se vão desenvolvendo
à medida que a criança vai tomando consciência do sistema sonoro da língua.
“Neste
sentido, a emergência da consciência fonológica requer a capacidade para tomar
a linguagem como objecto de reflexão, enquadrando-se nos processos mais gerais
do desenvolvimento metalinguístico” (Silva, 2003:106).
Quando
se fala de consciência fonológica, Freitas, Alves e Costa (2007) e Tunmer e
Rohl (1991 in Silva, 2003) referem-se
explicitamente à habilidade de expressamente reconhecer e manipular as unidades
do oral, pensando e agindo sobre a linguagem como se fosse um objecto,
refletindo nas habilidades em operar com fonemas, sílabas, rimas e aliterações
(Lasch, 2008).
Consequentemente,
tudo parece apontar para o facto de a consciência fonológica exigir a
capacidade de distanciamento consciente dos enunciados verbais, na qual estão
presentes processos mnésicos e cognitivos.
Em
suma, a consciência fonológica pressupõe
a capacidade de identificar que as palavras são constituídas por sons e que
podem ser manipuladas conscientemente. Ela permite à criança reconhecer que as
palavras rimam, terminam ou começam com o mesmo som e são compostas por sons
individuais que podem ser manipulados para a formação de novas palavras
(Freitas, 2003).
NÍVEIS
DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA
A
consciência fonológica desenvolve-se gradualmente, à medida que a criança se
vai tornando consciente das palavras, sílabas e fonemas como unidades
identificáveis (Martins, 1996; Sim-Sim, 1998, 2006).
Em
cada nível de consciência fonológica existem tarefas que se estruturam
igualmente por ordem crescente de dificuldade: a reconstrução, a segmentação, a
identificação e manipulação de sílabas e/ou sons, sendo que a reconstrução de
uma sílaba é mais fácil do que a sua segmentação e esta mais fácil do que a
manipulação, o mesmo acontecendo em relação às tarefas relativas aos sons
individuais (Freitas & Santos, 2001; Martins, 1996; Sim-Sim, 1998, 2006).
Para
Freitas, Alves e Costa (2007) a consciência fonológica subdivide-se em três
tipos:
i) ao isolar sílabas, a criança revela
consciência silábica;
ii) ao isolar unidades dentro da sílaba,
revela consciência intrassilábica;
iii) ao isolar sons da fala, revela
consciência fonémica ou segmental.
Para
Freitas, Alves e Costa (2007) e Lamprecht (2004), o desenvolvimento da
consciência silábica antepõe-se ao do conhecimento das outras unidades
fonológicas inferiores, como os constituintes silábicos os sons da fala, sendo
o primeiro e mais evidente caminho e segmentação sonora, que traz pouca
dificuldade à maioria das crianças.
Freitas
e Santos (2001:79) destacam que as manifestações de consciência fonológica
abrangendo sílabas são mais precoces do que o mesmo tipo de manifestações
envolvendo sons. “Assim, será mais fácil para uma criança segmentar a palavra
em sílabas do que segmentar a mesma palavra em sons”. Logo, a prática de rimas,
a recitação de poesia e histórias em verso, os exercícios de segmentação de
frases em palavras e destas em sílabas, a identificação e manipulação de
sílabas e a soletração silábica em voz alta são processos pedagógicos que
conduzem à consciência lexical e silábica (Sim-Sim, 1998).
Por
sua vez, a consciência intrassilábica e a consciência fonémica são de desenvolvimento
mais demorado. No que se refere à consciência intrassilábica, o que está em
causa é a habilidade de manipular grupos de sons dentro da sílaba.
Quanto
à consciência fonémica, ou seja, a aptidão para cuidadosamente prestar atenção
e identificar as unidades mínimas da língua é demorada, difícil e exige muita
prática, mas favorece substancialmente o processo de aprendizagem da leitura
(SIM-Sim, 1998).
Tendo
em conta alguns estudos efectuados por Freitas, Alves e Costa (2007) e Freitas
e Santos (2001) verificou-se que é de todo benéfico começar pelo treino da
consciência silábica, que todas as crianças possuem espontaneamente na educação
pré-escolar.
Sim-Sim
(1998) defende que a facilidade com que as crianças conscientemente produzem
rimas, por volta dos cinco anos, está relacionada com a consciência que possuem
da sílaba e directamente relacionado com o nível de sucesso na aprendizagem
posterior da leitura.
É
pois nesta linha de pensamento que se defende que : " os três tipos devem ser estimulados em contexto letivo,
antes e durante o processo de iniciação da criança ao uso do código alfabético”
(Freitas, Alves & Costa, 2007:14).»
Sandrina
Esteves, Fluência na leitura. Da avaliação
à intervenção. Guia Pedagógico, Viseu, Psicosoma, 2013, pp. 52-57.
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