quinta-feira, 9 de maio de 2013


«Interações das funções motoras, psicomotora e perceptivas como as funções permanentes cognitivas

 

Podemos notar a importância fundamental para o processo do aprendizado, a interação entre as funções motoras, psicomotoras e perceptivas, e considerar essa tríade como as funções permanentes da cognição.

      Por motricidade podemos entender a possibilidade neurofisiológica de realizar movimentos. Por psicomotricidade a ligação entre o psiquismo e a motricidade. E a percepção como uma forma de interpretar as sensações que chegam até nos. Daí podemos concluir que a tríade torna-se imperativa para o processo cognitivo.

      As três funções citadas constituem os imperativos psicomotores como funções permanentes da cognição, uma vez que não se pode abrir mão de nenhum deles na eficácia da aprendizagem. A seguir serão apresentadas cada uma dessas funções.
 

- A escrita é antes de mais nada, um aprendizado motor.
 

      A aquisição desta praxia específica, particularmente complexa, exige que se eduque a função de ajustamento. Antes que a criança ingressar para a escolaridade formal, o trabalho psicomotor terá como objetivo proporcionar-lhe uma motricidade espontânea, coordenada e rítmica, que será o melhor caminho para evitar problemas de disgrafia.

     A habilidade manual será desenvolvida, quer pela utilização da modelagem, do recorte, da colagem, quer por exercício de dissociação ao nível da mão e dos dedos, que identificamos como exercícios de percepção do próprio corpo fazendo atuar a função de interiorização.

      O ritmo do traçado e sua orientação da esquerda para a direita serão melhorados pelos exercícios gráficos baseados nas formas da pré-escrita, como as diferentes hélices e guirlandas.

      O controle da velocidade e a manutenção de sua constância serão obtidos por exercícios em séries crescentes e decrescentes. O trabalho que chamamos de controle tônico assume igualmente uma enorme importância.

     Portanto, é essencial para a criança que entra na escolaridade, dispor de uma motricidade espontânea, rítmica, liberada e controlada, sobre a qual o professor poderá apoiar-se.

 
- Este aprendizado motor exige o desempenho da função de interiorização.
 

       Se o ensino da escrita não adaptar-se às necessidades e às possibilidades da criança, ela poderá se achar confrontada com uma exigência muito grande no plano formal. Contrariamente aos exercícios de coordenação global, onde sempre existe a escolha dos meios em relação ao objetivo perseguido. No trabalho gráfico e, mais particularmente, na reprodução das formas codificadas, a exigência leva progressivamente à espontaneidade.

      A tomada de consciência é colocada em jogo nos seguintes casos:

            - a adoção de uma atitude equilibrada que permita a liberação do braço e a possibilidade de modificá-la para deixá-lo próximo à vertical;

            - o relaxamento dos músculos que não intervêm na praxia solicitada e cuja tensão representa embaraço e fadiga.

      Inversamente, certos músculos diretores do movimento, em particular ao nível da cintura escapular, devem ter força suficiente para sustentar o movimento. O conjunto destas exigências de descontração ou de tensão representam o que chamamos de controle tônico. Este atua igualmente no jogo sutil das pressões exercidas pelos dedos sobre o instrumento da escrita. Neste último caso, o controle tônico não é realizado por uma ação de percepção voluntária, mas pelo desempenho dos reflexos com ponto de partida cinestésico que agem melhor quando o indivíduo está relaxado, mas atento.
 

- Percepção e representação mental do espaço na leitura e na escrita.
 

      Já está suficientemente colocada a importância que “a imagem do corpo orientado” desempenha no ingresso ao universo projetivo e euclidiano, onde vai desenvolver-se o ato gráfico, para que se compreenda o papel fundamental exercido pela educação psicomotora.

      A boa visualização e a fixação das formas e, principalmente, a possibilidade de respeitar sua sucessão impõem o domínio, pelo menos implícito, de uma orientação fixa, da qual depende a ordem temporal tanto da decifração como da reprodução.

      O que acabamos de descrever como problema representa uma das principais causas de fracasso no aprendizado da leitura. A simples disgrafia, que pode ser vinculada aos problemas de coordenação, representam entraves mas raramente estão na origem dos fracassos tão graves, já que não discutem a visualização das sequências gráfica.


2.3. Psicomotricidade e atenção
 

       A falta de atenção à disciplina escolar pode ser atribuída a fatores de origem afetiva, a problemas ligados a distúrbios de personalidade, ou ainda a fonte de desatenção pode ser devida a uma inadequação no modo de apresentar o conteúdo escolar, levando a criança a uma excessiva passividade.

      A escola deve ser vivenciada pela criança como um local atrativo onde ela possa sentir-se bem e ocupar na sua vida um lugar de importância e destaque.

      Algumas questões pedagógicas podem levar o aluno ao desinteresse como: falta de espaço aos métodos ativos e participativos, desvalorização das construções do aluno, relacionamento insatisfatório entre professor e aluno etc.

      Existe outra forma de desatenção que está diretamente ligada aos problemas de organização da imagem do corpo e que representa um terreno privilegiado para a psicomotricidade. Henri Wallon em sua obra A criança turbulenta (1925), descreve o comportamento que mais tarde veio a ser denominado “instabilidade psicomotora” e, na literatura norte americana, a “síndrome hipercinética”. Sua característica é apresentar-se de forma turbulenta ou insuportável pelo seu excesso motor e verbal e sua incapacidade de exercer, de maneira suficientemente prolongada, sua função de atenção. Este traço de comportamento pode manifestar-se desde o final do maternal e, mais particularmente no início da escolaridade primária.

      Este distúrbio da atenção é acompanhado de um certo atraso escolar, ainda que a criança possa ser classificada dentro da normalidade.

      Nesses casos a prática diária de um trabalho psicomotor integrado à atividade escolar, utilizados precocemente podem ajudar a solucionar o problema. O trabalho deve ser iniciado no seio da família e prosseguido pela escola ainda no maternal.

      O problema fundamental da criança instável é o desequilíbrio de suas reações impulsivas, provocadas pelo mínimo estímulo. A criança precisa aprender a inibir e controlar seus impulsos motores ou verbais. Seu ingresso na escolaridade poderá aumentar sua sobrecarga tensiva e agravar sua instabilidade. Qualquer tensão emocional, excitação ou agitação aumenta ainda mais o nível de atividade.

      Cabe ao educador utilizar exercícios para o controle tônico e relaxamento cautelosamente conduzidos.


2.4. Psicomotricidade, leitura e escrita
 

      A escrita e a linguagem são um modo de expressão e de comunicação. A linguagem é anterior ao grafismo e o aprendizado da leitura e da escrita. Antes do aprendizado da leitura, é preciso ajudar a criança a utilizar a linguagem mais rica e correta possível.

      A escrita é um meio de comunicação e um meio de expressão pessoal. Este modo de expressão apoia-se num código gráfico a partir do qual devem ser encontrados sons portadores de sentido. Exige o desempenho de dois sistemas simbólicos: um sonoro; outro, gráfico. A constituição do código gráfico e sua decifração exigem a atuação de funções psicomotoras.

      As habilidades psicomotoras são essenciais ao bom desempenho no processo de alfabetização. A aprendizagem da leitura e da escrita exige habilidades tais como:

                         • dominância manual já estabelecida (área de lateralidade);

                         • conhecimento numérico suficiente para saber, por exemplo, quantas voltas existem nas letras m e n, ou quantas sílabas formam uma palavra (área de habilidades conceituais);

                        • movimentação dos olhos da esquerda para a direita, domínio de movimentos delicados adequados à escrita, acompanhamento das linhas de uma página com os olhos ou os dedos, preensão adequada para segurar lápis e papel e para folhear (área de coordenação visual e manual);

                         • discriminação de sons (área de percepção auditiva);

                        • adequação da escrita às dimensões do papel, reconhecimento das diferenças dos pares b/d, q/d, p/q etc., orientação da leitura e da escrita da esquerda para a direita, manutenção da proporção de altura e largura das letras, manutenção de espaço entre as palavras e escrita orientada pelas pautas (áreas de percepção visual, orientação espacial, lateralidade, habilidades conceituais);

                        • pronúncia adequada de vogais, consoantes, sílabas, palavras (área de comunicação e expressão);

                        • noção de linearidade da disposição sucessiva de letras, sílabas e palavras (área de orientação têmporo-espacial);

                        • capacidade de decompor palavras em sílabas e letras (análise);

                        • possibilidade de reunir letras e sílabas para formar novas palavras (síntese).»
 
Rosângela Pires dos Santos, Psicomotricidade, São Paulo, Ieditora, s/d., pp. 24-26.

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