«Interações das funções motoras,
psicomotora e perceptivas como as funções permanentes cognitivas
Podemos notar a importância fundamental
para o processo do aprendizado, a interação entre as funções motoras,
psicomotoras e perceptivas, e considerar essa tríade como as funções permanentes
da cognição.
Por motricidade podemos entender a possibilidade
neurofisiológica de realizar movimentos. Por psicomotricidade a ligação entre o
psiquismo e a motricidade. E a percepção como uma forma de interpretar as
sensações que chegam até nos. Daí podemos concluir que a tríade torna-se
imperativa para o processo cognitivo.
As três funções citadas constituem os imperativos psicomotores
como funções permanentes da cognição, uma vez que não se pode abrir mão de
nenhum deles na eficácia da aprendizagem. A seguir serão apresentadas cada uma
dessas funções.
- A escrita é antes de mais
nada, um aprendizado motor.
A aquisição desta praxia
específica, particularmente complexa, exige
que se eduque a função de ajustamento. Antes que a criança ingressar para a
escolaridade formal, o trabalho psicomotor terá como objetivo proporcionar-lhe
uma motricidade espontânea, coordenada e rítmica, que será o melhor caminho para
evitar problemas de disgrafia.
A habilidade manual será desenvolvida, quer pela utilização da
modelagem, do recorte, da colagem, quer por exercício de dissociação ao nível
da mão e dos dedos, que identificamos como exercícios de percepção do próprio
corpo fazendo atuar a função de interiorização.
O ritmo do traçado e sua orientação da esquerda para a direita
serão melhorados pelos exercícios gráficos baseados nas formas da pré-escrita,
como as diferentes hélices e guirlandas.
O controle da velocidade e a manutenção de sua constância serão
obtidos por exercícios em séries crescentes e decrescentes. O trabalho que
chamamos de controle tônico assume igualmente uma enorme importância.
Portanto, é essencial para a criança que entra na escolaridade,
dispor de uma motricidade espontânea, rítmica, liberada e controlada, sobre a
qual o professor poderá apoiar-se.
- Este aprendizado motor exige
o desempenho da função de interiorização.
Se o ensino da escrita não adaptar-se às necessidades e às
possibilidades da criança, ela poderá se achar confrontada com uma exigência
muito grande no plano formal. Contrariamente aos exercícios de coordenação
global, onde sempre existe a escolha dos meios em relação ao objetivo
perseguido. No trabalho gráfico e, mais particularmente, na reprodução das
formas codificadas, a exigência leva progressivamente à espontaneidade.
A tomada de consciência é colocada em jogo nos seguintes casos:
- a adoção de uma atitude equilibrada que permita a liberação do
braço e a possibilidade de modificá-la para deixá-lo próximo à vertical;
- o relaxamento dos músculos que não intervêm na praxia
solicitada e cuja tensão representa embaraço e fadiga.
Inversamente, certos músculos diretores do movimento, em
particular ao nível da cintura escapular, devem ter força suficiente para
sustentar o movimento. O conjunto destas exigências de descontração ou de
tensão representam o que chamamos de controle tônico. Este atua igualmente no
jogo sutil das pressões exercidas pelos dedos sobre o instrumento da escrita.
Neste último caso, o controle tônico não é realizado por uma ação de percepção
voluntária, mas pelo desempenho dos reflexos com ponto de partida cinestésico
que agem melhor quando o indivíduo está relaxado, mas atento.
- Percepção e representação
mental do espaço na leitura e na escrita.
Já está suficientemente colocada a importância que “a imagem do
corpo orientado” desempenha no ingresso ao universo projetivo e euclidiano,
onde vai desenvolver-se o ato gráfico, para que se compreenda o papel
fundamental exercido pela educação psicomotora.
A boa visualização e a fixação das formas e, principalmente, a
possibilidade de respeitar sua sucessão impõem o domínio, pelo menos implícito,
de uma orientação fixa, da qual depende a ordem temporal tanto da decifração
como da reprodução.
O que acabamos de descrever como problema representa uma das
principais causas de fracasso no aprendizado da leitura. A simples disgrafia,
que pode ser vinculada aos problemas de coordenação, representam entraves mas
raramente estão na origem dos fracassos tão graves, já que não discutem a
visualização das sequências gráfica.
2.3. Psicomotricidade e atenção
A falta de atenção à disciplina escolar pode ser atribuída a
fatores de origem afetiva, a problemas ligados a distúrbios de personalidade,
ou ainda a fonte de desatenção pode ser devida a uma inadequação no modo de
apresentar o conteúdo escolar, levando a criança a uma excessiva passividade.
A escola deve ser vivenciada pela criança como um local atrativo
onde ela possa sentir-se bem e ocupar na sua vida um lugar de importância e
destaque.
Algumas questões pedagógicas podem levar o aluno ao desinteresse
como: falta de espaço aos métodos ativos e participativos, desvalorização das
construções do aluno, relacionamento insatisfatório entre professor e aluno
etc.
Existe outra forma de desatenção que está diretamente ligada aos
problemas de organização da imagem do corpo e que representa um terreno
privilegiado para a psicomotricidade. Henri Wallon em sua obra A criança turbulenta (1925), descreve o comportamento que mais tarde veio a ser
denominado “instabilidade psicomotora” e, na literatura norte americana, a “síndrome
hipercinética”. Sua característica é apresentar-se de forma turbulenta ou
insuportável pelo seu excesso motor e verbal e sua incapacidade de exercer, de
maneira suficientemente prolongada, sua função de atenção. Este traço de comportamento
pode manifestar-se desde o final do maternal e, mais particularmente no início
da escolaridade primária.
Este distúrbio da atenção é acompanhado de um certo atraso
escolar, ainda que a criança possa ser classificada dentro da normalidade.
Nesses casos a prática diária de um trabalho psicomotor
integrado à atividade escolar, utilizados precocemente podem ajudar a
solucionar o problema. O trabalho deve ser iniciado no seio da família e
prosseguido pela escola ainda no maternal.
O problema fundamental da criança instável é o desequilíbrio de
suas reações impulsivas, provocadas pelo mínimo estímulo. A criança precisa
aprender a inibir e controlar seus impulsos motores ou verbais. Seu ingresso na
escolaridade poderá aumentar sua sobrecarga tensiva e agravar sua
instabilidade. Qualquer tensão emocional, excitação ou agitação aumenta ainda
mais o nível de atividade.
Cabe ao educador utilizar exercícios para o controle tônico e
relaxamento cautelosamente conduzidos.
2.4. Psicomotricidade, leitura e escrita
A escrita e a linguagem são um modo de expressão e de
comunicação. A linguagem é anterior ao grafismo e o aprendizado da leitura e da
escrita. Antes do aprendizado da leitura, é preciso ajudar a criança a utilizar
a linguagem mais rica e correta possível.
A escrita é um meio de comunicação e um meio de expressão
pessoal. Este modo de expressão apoia-se num código gráfico a partir do qual
devem ser encontrados sons portadores de sentido. Exige o desempenho de dois
sistemas simbólicos: um sonoro; outro, gráfico. A constituição do código
gráfico e sua decifração exigem a atuação de funções psicomotoras.
As habilidades psicomotoras são essenciais ao bom desempenho no
processo de alfabetização. A aprendizagem da leitura e da escrita exige
habilidades tais como:
• dominância manual já estabelecida (área de lateralidade);
• conhecimento numérico suficiente para saber, por exemplo,
quantas voltas existem nas letras m e n, ou quantas sílabas formam uma palavra (área de
habilidades conceituais);
• movimentação dos olhos da esquerda para a direita, domínio de
movimentos delicados adequados à escrita, acompanhamento das linhas de uma página com
os olhos ou os dedos, preensão adequada para segurar lápis e papel e para
folhear (área de coordenação visual e manual);
• discriminação de sons (área de percepção auditiva);
• adequação da escrita às dimensões do papel, reconhecimento das
diferenças dos pares b/d, q/d, p/q etc., orientação da leitura e da escrita da
esquerda para a direita, manutenção da proporção de altura e largura das
letras, manutenção de espaço entre as palavras e escrita orientada pelas pautas
(áreas de percepção visual, orientação espacial, lateralidade, habilidades
conceituais);
• pronúncia adequada de vogais, consoantes, sílabas, palavras
(área de comunicação e expressão);
• noção de linearidade da disposição sucessiva de letras, sílabas
e palavras (área de orientação têmporo-espacial);
• capacidade de decompor palavras em sílabas e letras (análise);
•
possibilidade de reunir letras e sílabas para formar novas palavras (síntese).»
Rosângela Pires dos Santos, Psicomotricidade, São Paulo, Ieditora, s/d., pp. 24-26.
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