sexta-feira, 3 de maio de 2013



 
«COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS INERENTES À APRENDIZAGEM DA LEITURA

 

De entre as competências intrínsecas à aprendizagem inicial da leitura encontram-se, intimamente relacionadas, a consciência fonológica e o domínio do princípio alfabético.
Com efeito, uma reflectida e consciente problematização norteada pelo National Reading Panel (2000), sinalizou um conjunto de pontos fulcrais de procedimentos efectivos no que se refere ao ensino da leitura:
 

CONHECIMENTO E DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO

As crianças, quando começam a dominar a linguagem oral, dão mais atenção ao significado do que dizem ou ouvem, não se preocupando tanto com o som das palavras (Martins, 1996; Sim-Sim, 2006). Só à medida que vão evoluindo linguisticamente é que começam a reconhecer que as palavras são constituídas por sons e que esses sons existem isoladamente e podem ser manipulados (Martins, 2000; Sim-Sim, 2006).

A consciência de que a fala pode ser segmentada em unidades fonológicas de tamanhos diferentes implica um conhecimento explícito da linguagem, diferente portanto do conhecimento implícito que qualquer falante precisa de ter para poder compreender e produzir a linguagem oral (Martins, 1996). Mais ainda, “ao adquirir e usar a linguagem oral de forma espontânea, a criança vai-se também sensibilizando ao conhecimento das propriedades da língua” (Sim-Sim, 2006: 65).

Na verdade, “(…) cada língua serve-se de um determinado conjunto de sons para construir o seu sistema fonológico” (Barbeiro, 2000: 119) e a “capacidade que os falantes têm de manipular os formatos fonéticos dos seus enunciados decorre do seu conhecimento fonológico (Freitas & Santos, 2001:15). Adquirir e dominar tal conhecimento significa que a criança estará apta a perceber e produzir significados diferentes e tratar de modo perceptivo essas diferenças, graças ao domínio dos movimentos articulatórios utilizados na produção dessas características distintivas.

Por outro lado, conseguirá igualmente identificar as sequências permitidas e não permitidas na sua língua, pois cada língua apresenta regularidades quanto às sequências de sons que surgem em determinadas posições (Barbeiro, 2000). Com efeito, “quando assumimos uma atitude normativa, que nos leva a afirmar que o formato fonético de determinada palavra é correcto ou incorrecto, é uma vez mais o conhecimento fonológico que condiciona esse julgamento” (Freitas & Santos, 2001:16).

Nesta ordem de ideias, “ (…) a primeira tarefa da escola deverá ser a de promover, através de um treino sistemático, o desenvolvimento da sensibilidade aos aspectos fónicos da língua, com o objectivo da promoção da consciência fonológica, entendida como a capacidade de identificar e de manipular as unidades do real” (Freitas, Alves & Costa, 2007:9). A prática educacional, terapêutica e científica, tem chegado recentemente a uma mesma conclusão: dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita estão intimamente relacionadas com o fraco desempenho em tarefas que envolvem a consciência fonológica por parte das crianças (Freitas, Alves & Costa, 2007:29).

Assim sendo, o trabalho centrado em tarefas relacionadas com a consciência fonológica, na escola, realizado desde cedo, de forma contínua e continuada, generalizado a toda a população infantil, ajudará na promoção do sucesso escolar, funcionando ainda como medida de prevenção do insucesso na leitura e na escrita: “a sistematicidade e a consistência constituem as palavras-chave de uma metodologia para a estimulação da oralidade e para o desenvolvimento da consciência fonológica. A realização diária de exercícios com estruturas similares mas com conteúdos distintos, consistentes e promotores de um determinado resultado ajudam à indução, à instalação, à consolidação e, finalmente, à automatização do processamento (meta)fonológico (funcionamento explícito da consciência fonológica)” Freitas, Alves & Costa, 2007:29).

 

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

 

Relativamente à definição do conceito de consciência fonológica muitos têm sido os contributos de autores que se preocupam em perceber de que forma as crianças lidam com a linguagem oral, nomeadamente como se processa a transição entre a simples percepção da similitude sonora da sua língua materna, até à manipulação consciente de sons da sua fala.

Na verdade, as crianças, em idade pré-escolar, começam a desenvolver, progressivamente, formas várias de reflexão sobre a sua língua materna a que vários autores se têm referido como manifestações da consciência linguística (Sim-Sim, 1998), destacando-se de entre estas a consciência fonológica.

Autores como Cruz (2005) sugerem a existência de uma “relação causal bidireccional” entre a consciência fonológica e a aprendizagem da leitura, ou seja, é possível desenvolver a consciência fonológica antes da aprendizagem da leitura para esta ser mais facilitada e ao aprender a ler a consciência fonológica desenvolve-se e amplia-se.

Com efeito, vários têm sido os estudos que têm verificado e apontado para uma intrínseca relação entre  consciência fonológica e aprendizagem da leitura, embora sob distintos pontos de vista: uns indicando um vasto conjunto de evidências experimentais e correlacionais entre consciência fonológica e sucesso na aprendizagem da leitura (National Reading Panel, 2000; Silva, 2002); outros mostrando que dado um sistema de escrita como o nosso, em que nem sempre existe uma correspondência unívoca grafema-fonema e vice-versa, beneficia, por sua vez, o desenvolvimento da consciência fonológica (Morais, 1997); outros ainda mostrando que a consciência fonológica funcionará como causa e consequência da aprendizagem da leitura (Silva, 2003). Desta forma, a noção de consciência fonológica tem sido, por isso, alvo de várias definições.

Todavia, importa, antes de mais, proceder a uma definição do conceito.

De um modo mais generalizado, Nascimento (2004) defende que o conceito de consciência fonológica diz respeito à aptidão metalinguística da tomada de consciência das características formais da linguagem. Para o autor, a consciência fonológica ou o conhecimento acerca da estrutura sonora da linguagem desenvolve-se nas crianças através do contacto destas com a linguagem oral do meio onde se inserem. Como tal, é na relação com as diferentes formas de expressão oral que estas habilidades metalinguísticas se desenvolvem, desde que a criança se vê imersa no mundo linguístico.

Já Cielo (2001 in Rubens, 2007), por sua vez, aposta numa definição mais concisa de consciência fonológica, apresentando-a enquanto capacidade de manipular e analisar os segmentos fonológicos sem haver uma preocupação com o conteúdo comunicacional da mensagem, ou seja, requer que a criança ignore o significado e preste atenção à estrutura da palavra.

Porém, autores há que defendem que a expressão consciência fonológica deveria apenas ser utilizada nas situações em que o que está em causa é uma manipulação consciente dos sons individuais ou agrupados da língua materna, enquanto unidades abstractas (Adams, 1994).

É pois, a este propósito que Gombert (1990) propõe uma distinção clara e precisa entre consciência fonológica e comportamento epifonológicos. Enquanto a primeira remeterá para a capacidade de identificar as componentes fonológicas e de as manipular de uma forma consciente, controlada e voluntária, a segunda corresponderá a comportamentos/habilidades que revelam a capacidade de discriminar, desde cedo, o elenco dos sons da língua materna, ocorrendo de forma intuitiva e espontânea, por isso não consciente.

Na mesma linha de pensamento, Bryant e Bradley (1985 in Lopes, 2004) defendem que a consciência fonológica poderá ser compreendida como um conjunto de aptidões que vão desde a simples percepção do global do tamanho da palavra e de semelhanças fonológicas entre as palavras, até à segmentação e manipulação de sílabas e fonemas, que se vão desenvolvendo à medida que a criança vai tomando consciência do sistema sonoro da língua.

“Neste sentido, a emergência da consciência fonológica requer a capacidade para tomar a linguagem como objecto de reflexão, enquadrando-se nos processos mais gerais do desenvolvimento metalinguístico” (Silva, 2003:106).

Quando se fala de consciência fonológica, Freitas, Alves e Costa (2007) e Tunmer e Rohl (1991 in Silva, 2003) referem-se explicitamente à habilidade de expressamente reconhecer e manipular as unidades do oral, pensando e agindo sobre a linguagem como se fosse um objecto, refletindo nas habilidades em operar com fonemas, sílabas, rimas e aliterações (Lasch, 2008).

Consequentemente, tudo parece apontar para o facto de a consciência fonológica exigir a capacidade de distanciamento consciente dos enunciados verbais, na qual estão presentes processos mnésicos e cognitivos.

Em suma, a consciência fonológica pressupõe a capacidade de identificar que as palavras são constituídas por sons e que podem ser manipuladas conscientemente. Ela permite à criança reconhecer que as palavras rimam, terminam ou começam com o mesmo som e são compostas por sons individuais que podem ser manipulados para a formação de novas palavras (Freitas, 2003).

 

NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA

A consciência fonológica desenvolve-se gradualmente, à medida que a criança se vai tornando consciente das palavras, sílabas e fonemas como unidades identificáveis (Martins, 1996; Sim-Sim, 1998, 2006).

Em cada nível de consciência fonológica existem tarefas que se estruturam igualmente por ordem crescente de dificuldade: a reconstrução, a segmentação, a identificação e manipulação de sílabas e/ou sons, sendo que a reconstrução de uma sílaba é mais fácil do que a sua segmentação e esta mais fácil do que a manipulação, o mesmo acontecendo em relação às tarefas relativas aos sons individuais (Freitas & Santos, 2001; Martins, 1996; Sim-Sim, 1998, 2006).

Para Freitas, Alves e Costa (2007) a consciência fonológica subdivide-se em três tipos:

                        i)   ao isolar sílabas, a criança revela consciência silábica;

                        ii)  ao isolar unidades dentro da sílaba, revela consciência intrassilábica;

                        iii) ao isolar sons da fala, revela consciência fonémica ou segmental.

Para Freitas, Alves e Costa (2007) e Lamprecht (2004), o desenvolvimento da consciência silábica antepõe-se ao do conhecimento das outras unidades fonológicas inferiores, como os constituintes silábicos os sons da fala, sendo o primeiro e mais evidente caminho e segmentação sonora, que traz pouca dificuldade à maioria das crianças.

Freitas e Santos (2001:79) destacam que as manifestações de consciência fonológica abrangendo sílabas são mais precoces do que o mesmo tipo de manifestações envolvendo sons. “Assim, será mais fácil para uma criança segmentar a palavra em sílabas do que segmentar a mesma palavra em sons”. Logo, a prática de rimas, a recitação de poesia e histórias em verso, os exercícios de segmentação de frases em palavras e destas em sílabas, a identificação e manipulação de sílabas e a soletração silábica em voz alta são processos pedagógicos que conduzem à consciência lexical e silábica (Sim-Sim, 1998).

Por sua vez, a consciência intrassilábica e a consciência fonémica são de desenvolvimento mais demorado. No que se refere à consciência intrassilábica, o que está em causa é a habilidade de manipular grupos de sons dentro da sílaba.

Quanto à consciência fonémica, ou seja, a aptidão para cuidadosamente prestar atenção e identificar as unidades mínimas da língua é demorada, difícil e exige muita prática, mas favorece substancialmente o processo de aprendizagem da leitura (SIM-Sim, 1998).

Tendo em conta alguns estudos efectuados por Freitas, Alves e Costa (2007) e Freitas e Santos (2001) verificou-se que é de todo benéfico começar pelo treino da consciência silábica, que todas as crianças possuem espontaneamente na educação pré-escolar.

Sim-Sim (1998) defende que a facilidade com que as crianças conscientemente produzem rimas, por volta dos cinco anos, está relacionada com a consciência que possuem da sílaba e directamente relacionado com o nível de sucesso na aprendizagem posterior da leitura.

É pois nesta linha de pensamento que se defende que : " os três tipos devem ser estimulados em contexto letivo, antes e durante o processo de iniciação da criança ao uso do código alfabético” (Freitas, Alves & Costa, 2007:14).»

Sandrina Esteves, Fluência na leitura. Da avaliação à intervenção. Guia Pedagógico, Viseu, Psicosoma, 2013, pp. 52-57.


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