segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Os neurónios da leitura


        Apesar da informação relativa ao funcionamento do cérebro durante o ato da leitura, apresentada no jornal Público, ter sido divulgada recentemente, estas descobertas foram já analisadas através de um Projeto Europeu “Signes et Sens”.

        Este projeto teve como tema principal a leitura compreensiva e foi realizado pela Escola Secundária de Afonso de Albuquerque da Guarda, em colaboração com vários parceiros europeus (Bélgica, Roménia, Polónia, França e Turquia).

        O objetivo principal deste projeto consistia na construção de um módulo de formação inicial e contínua, para ajudar os professores a melhorarem o seu conhecimento do ato léxico, de forma a identificarem os verdadeiros obstáculos na compreensão da leitura e, desenvolverem práticas pedagógicas adaptadas para ultrapassar estes obstáculos.


       Para uma informação mais detalhada sobre o projeto, consulte: http://signesetsens.eu/pt/connaissance_acte_lexique.html




       Vejamos alguns excertos do trabalho desenvolvido no projeto, baseado no livro de Stanislas, DEHAENE, Les neurones de la lecture (Paris, Odile Jacob, 2007).


A Ciência da Leitura

      “Atrás de cada leitor esconde-se uma mecânica neuronal admirável, tanto na precisão como na eficácia, da qual começamos a compreender a organização. Nos últimos anos nasceu uma autêntica ciência da leitura” (p.21).
 
       Neste livro apaixonante e de uma considerável clareza, o autor tenta partilhar esta ciência da leitura, assim como os avanços experimentais que a sustentam. A sua esperança é ver aparecer uma verdadeira neurociência da educação, que permitirá optimizar as estratégias de ensino, pondo definitivamente de lado, por exemplo, certos métodos de leitura como o método global, do qual demonstra a sua ineficácia por ser inadaptado à organização cerebral da criança.
 
Dois modelos opõem-se para « explicar » o cérebro :
  1.      Modelo da plasticidade generalizada e do relativismo cultural (modelo antigo)
  2.      Modelo da reciclagem neuronal (modelo mais recente e defendido pelo autor)



      O antigo modelo - Modelo da plasticidade generalizada e do relativismo cultural - desenvolve as seguintes ideias:

O cérebro é um órgão totalmente flexível e maleável, portanto, não constrange em nada a extensão das actividades humanas (p.26).

O cérebro humano é, de alguma maneira, uma tábua rasa na qual são impressos os dados do meio ambiente natural e cultural.

       Não há, portanto, natureza humana biológica, mas uma construção progressiva desta, por imersão numa dada cultura.

Só a capacidade de aprender seria a característica da nossa natureza humana(p.26-27).

       Este modelo foi recusado devido aos dados recentes da ressonância magnéticacerebral e da neuropsicologia.Veremos até que ponto é falsa a imagem de um cérebro virgem, infinitamente maleável, e que se contentaria em absorver os dados do seu meio ambiente cultural (p.27).

 
       O autor desenvolve um outro modelo, o da reciclagem neuronal. O nosso cérebro, segundo ele, é evidentemente capaz de aprender e faz prova de plasticidade e de uma capacidade de adaptação ao meio ambiente, mas a sua arquitetura está estreitamente enquadrada por fortes constrangimentos genéticos (p.27). Esta aprendizagem é por isso limitada. Por exemplo, em todos os indivíduos, em todas as culturas do mundo, a mesma região cerebral, com diferença de alguns milímetros, intervém para descodificar as palavras escritas. Quer se leia em francês ou em chinês, a aprendizagem da leitura passa sempre por um circuito idêntico (p. 27).

       Este modelo assenta na grande ideia que os circuitos corticais, herdados do nosso passado evolutivo, se reconvertem ou melhor ou pior à leitura: a aprendizagem da leitura impõe profundas modificações nos circuitos do cérebro (p. 22-23). É um órgão fortemente estruturado que faz do velho, novo. Para aprender novas competências, reciclamos os nossos antigos circuitos cerebrais de primatas- na medida em que estes toleram um mínimo de mudança (p.28).

        O paradoxo da leitura sublinha o facto indubitável de que os genes não evoluiram para nos permitir aprender a ler. Só se verifica uma única solução. Se o cérebro não teve tempo de evoluir sob os constrangimentos da escrita, então foi a escrita que evoluiu, para poder tomar em conta os constrangimentos do nosso cérebro (p.29). E um pouco mais adiante, o autor vê o vestígio de um incessante «bricolage» evolutivo que adapta, sem descanso, os objectos da escrita aos constrangimentos do nosso cérebro.



Como lemos?

 

Vamos descobrir, de forma breve, o processo de leitura no seu aspeto neuropsicológico.

Tudo começa na retina, onde vêm projetar-se os fotões, reenviados pela página (p.36). A retina é a membrana que cobre todo o fundo do globo ocular( é composta por várias camadas de células sobrepostas e que têm funções diferentes). Esta recebe as imagens captadas pelo olho, transforma-as em sinais ou impulsos elétricos e transmite-os ao cérebro, por meio do nervo ótico.

       Ela não é homogénea, no sentido em que só a zona central da retina, chamada fóvea, é rica em células fotorecetivas de muito alta resolução,:os cones. Esta zona, que ocupa aproximadamente 15 graus do campo visual, é a única zona da retina realmente útil à leitura. Só ela capta as letrascom os detalhes suficientes para as poder reconhecer (p.36).

 
       A estreiteza das fóveas obriga-nos a mexer constantemente os olhos ao longo da leitura. Não percorremos o texto de forma contínua, os nossos olhos deslocam-se por etapas. Isto é, devido ao facto de, no seio da fóvea, a informação visual não estar representada em todo o lado com a mesma precisão. (…) A precisão é máxima ao centro e diminui na periferia (p.37).

        Conseguimos identificar 10 ou 12 letras por etapas : 3 ou 4 à esquerda do centro do olhar e 7 ou 8 à direita.É o que se chama, habitualmente, de campo da perceção visual das letras. Esta assimetria provém da direção da leitura. No leitor de árabe ou de hebreu, quando o olhar percorre a linha da direita para a esquerda, a assimetria do campo visual inverte-se (p.41).

       O nosso olho impõe, portanto, à leitura enormes constrangimentos e … inamovíveis. Podemos demonstrar que são as sacadas oculares que limitam a velocidade de leitura (p.42).

        Ao entrar na retina, a palavra desfaz-se em mil fragmentos: cada porção de imagem da página é reconhecida por um fotorecetor distinto. Toda a dificuldade consiste depois em juntar esses fragmentos a fim de descodificar as letras;trata-se da ordem pela qual são apresentadas, napalavra em questão(p.35).




Onde se passatudo isto ?






        Num determinado lugar do cérebro, no sistema de reconhecimento visual das palavras: em todos os indivíduos, em todas as culturas do mundo, a mesma região cerebral, com diferença de alguns milímetros, intervém para descodificar as palavras escritas. Seja em francês ou em chinês, a aprendizagem da leitura passa sempre por um circuito idêntico (p. 27).
O nosso sistema de reconhecimento visual das palavras identifica o que não varia, apesar das formas muito variadas que podem ter as palavras (tamanho, tipo de letra, maiúsculas/minúsculas, negrito ou não, sublinhadas ou não, …): é o que chamamos dereconhecimento invariável das palavras.
Aprende-se, assim, a descurar todas as variações não pertinentes para a leitura e, em contrapartida, a identificar e a ampliar as diferenças pertinentes, mesmo as mais pequenas.

Exemplo: A diferença entre "dois" e "dais", entre "frou" e "tour".

Como tudo acontece?


        O nosso sistema visual decompõe automaticamente as palavras em constituintes elementares. A natureza desses constituintes continua um tema de pesquisa muito atual (p.51). Assim decompostos, estes elementos vão poder ser utilizados pelo cérebro para dar o som e o sentido.

       Existem duas vias para a leitura :
       - a via fonológica ou via dos sons (= oralização ou leitura silenciosa : não se trata nem de articular, nem de mexer os lábios, mas de transformar as letras emsons, de aceder àpronúncia das palavras). Também chamada conversão grafema-fonema.
       - a via lexical, ou via directa, que dá acesso direto ao sentido.
       As opiniões são muito controversas entre os investigadores:
      - para uns há uma passagem obrigatória pela via fonológica antes de se aceder ao sentido;
       - para outros, a passagem pela via fonológica é uma caracteristica do leitor principiante e não do leitor hábil.

       Posição do autor:Atualmente, existe um consenso : no adulto, as duas vias da leitura existem e são ativadas simultaneamente.(…)funcionamem paralelo, uma sustentando a outra (p.53).

      A via fonológica é a única possível para ler as palavras novas ou raras na ortografia regular,os neologismos, as pseudopalavras …
O processo é o seguinte: Descodificação das letras - procura de uma possível pronúncia - procura do sentido.
      Via lexical é utilizada para as palavras frequentes e indispensável, inicialmente, para as palavras irregulares (numerosas em francês e mais ainda em inglês).
O processo é o seguinte: Descodificação das letras - procura de sentido - tentativa de uma pronúncia.
Existe aqui uma diferença clara, por exemplo, da língua italiana, onde não há praticamente palavras irregulares – cada letra corresponde a um som e, portanto, os resultados de leitura das crianças são nitidamente melhores que nos francófonos, não se verificandoquase nenhum disléxico!).
Nenhuma destas duas vias, por si só,é suficiente para ler todas as palavras (p.70).
Quando lemos em voz alta, as duasvias conspiram e colaboram uma com a outra (p.70).
A maioria dos modelos psicológicos contemporâneos concorda que a leitura hábil e fluente resulta de uma estreita coordenação das duas vias de leitura (p. 71). Portanto, seria mesmo mais sensato falar de vias múltiplas de leitura.

        Nota a propósito da via lexical :
       Assenta no armazenamento de dezenas de milhares de palavras num « léxico mental » ou talvez em vários léxicos: ortografia, fonologia, gramática e semântica. Todos estes léxicos agem em paralelo e de forma alguma por séries à grande eficácia e rapidez! (ver página 74 e seguintes a metáfora).
       Sem a acção do nosso léxico mental, a palavra escrita tornar-se-ia numa «letra morta». A identificação das letras e das palavras é um processo ativo de descodificação, no qual o cérebro acrescenta a informação ao sinal visual (p.80).
O reconhecimento de uma palavra exige que múltiplos sistemas cerebrais se conciliem numa interpretação unívoca da entrada visual. O tempo que demoramos a ler uma palavra depende portanto mais das suas propriedades intrínsecas que dos conflitos ou das coligações que induzem no seio da nossa arquitetura cerebral (p. 82).
       O nosso léxico é uma arena onde a competição é difícil e onde a vantagem pertence aos «habituados », ou seja, às palavras mais frequentes (p. 82).


Em resumo, no cérebro:
Cada lobo é especializado numa ou várias funções sensoriais.
As informações (palavras, rostos, objetos, …) percebidas, pelos olhos, ativam as áreas visuais do lobo occipital de cada hemisfério.
Estas regiões efetuam uma primeira análise da imagem, provavelmente para dela extrair as formas elementares (traços, curvas, superfícies,…). Neste estádio do tratamento da informação, o cérebro ainda não sabe a que obedece (p. 115). Depois (50 milésimos de segundos mais tarde), a informação começa a ser selecionada e as palavras suscitam uma ativação da área do reconhecimento visual das palavras de que acabámos de falar (no hemisfério esquerdo sobretudo, na região occipito-temporal central). Tudo isto acontece automaticamente, em menos de um quinto de segundo!
         E depois do reconhecimento visual, por onde caminha a leitura? Como acedemos ao sentido e à sonoridade das palavras?
        A região occipito-temporal, de que já falámos anteriormente, distribui então a informação a numerosas regiões corticaisem dois circuitos principais : um converte-os em sons, o outro dá-lhe sentido. Estas regiões já não são específicas para a leitura.
E estas duas vias da leitura (que dão acesso ao sentido e à sonoridade das palavras) ativam áreas cerebrais distintas.

Conversão das letras em sons
 
         O lobo temporal esquerdo está amplamente implicado, nomeadamente numa região superior deste lobo temporal chamada planum temporal, porque permite o encontro das informações visuais e auditivas, o planum temporal tem verdadeiramente um papel de encruzilhada essencial à aprendizagem da leitura (p. 152).

         Via de acesso ao sentido: Várias regiões são ativadas, no entanto, nenhuma é específica para as palavras escritas. A complexidade destes mecanismos é impossível de resumir em poucas linhas!
Encontramo-nos ainda, e só, no balbuciamento da neurologia do sentido. (…) no domínio do sentido,a humildade é de bom tom porque ninguém, presentemente, pode pretender ter um modelo neurológico preciso/exato deste misterioso raio de compreensão que faz com que a atividade de uma rede de neurónios, num determinado instante, «faça sentido» (p.155).
Sabemos ao menos uma coisa: seria ingenuidade pensar que o sentido se limita a um pequeno número de regiões cerebrais. Pelo contrário, a semântica recorre a uma vasta população de neurónios distribuídos em todas as regiões do córtex (p.156).

Aprender a ler

        No 5º capítulo, intitulado «Aprender a ler», o autor mostra como a aprendizagem da leitura modifica o cérebro da criança; descreve as fases desta aprendizagem e propõe pistas para otimizar o ensino da leitura.
       Também nesse capítulo demonstra a ineficácia do método global:
       Em resumo, atualmente não há qualquer dúvida: o contorno global das palavras não apresenta praticamente nenhum papel na leitura. O reconhecimento visual das palavras não assenta numa apreensão global do seu contorno, mas na sua decomposição em elementos simples, as letras e os grafemas. A região cortical da forma visual das palavras trata todas as letras da palavra em paralelo, o que, historicamente, é responsável pela impressão da leitura global. Mas a espontaneidade da leitura não é mais do que uma ilusão, suscitada pela extrema automatização das suas etapas, que se desenvolvem fora da nossa consciência (p. 297).
       Para terminar esta breve análise, sublinhamos ainda a leitura do capítulo 6º, no qual o autor fala de dislexia:
        Na maioria dos casos, a dislexia está ligada a um defeito de manipulação mental dos fonemas. O cérebro das crianças disléxicas apresenta várias anomalias características: (…).
Estas anomalias implicam que a dislexia seja incurável? De forma alguma. (…)(p.309)

Protocolos estabelecidos

Protocolo com DISLEX (http://dislex.co.pt/)



       A DISLEX — Associação Portuguesa de Dislexia, presidida pela Professora Dra. Helena Serra, estabeleceu um protocolo de colaboração com a APAFID — Associação Portuguesa de Apoio, Formação e Investigação em Dislexia —, por considerar que o trabalho que se propõe desenvolver, no âmbito da Dislexia, visa potenciar a prestação de respostas adequadas a todos aqueles que apresentem um diagnóstico de dislexia.

       A APAFID surge assim como um serviço recomendado (http://dislex.co.pt/index.php/servrecomendados ) pela DISLEX ao nivel da atuação na área da Dislexia.
 

Conselhos aos professores de alunos disléxicos



A criança disléxica dificilmente aplica as regras de leitura, de conjugação, de gramática. A forma de aplicação das regras da língua portuguesa constitui a prova mais difícil e humilhante para a criança que não pode aderir ao nosso sistema de análise neste domínio. Por exemplo, para lhe explicar a concordância do adjetivo com o nome, ela não compreende; pode memorizar a regra sem erros e, no entanto, é incapaz de fazer a concordância do adjetivo com o nome, ou seja, ela aceita a regra mas não é capaz de a pôr em prática. Por isso, sugere-se ao professor que compreenda este modo diferente de aprendizagem e tente encontrar soluções adequadas, devendo evitar explicar-lhe as regras porque vai em vão perder a paciência, esgotar-se e desencorajar-se.
 
A criança disléxica deve ser estimulada, incentivada, ser ajudada a acreditar em si, a sentir-se forte, capaz e segura, O disléxico tem sempre uma história de frustrações, sofrimentos, humilhações e cabe à escola ajudá-lo a resgatar a sua dignidade, fortalecer o seu ego e reconstruir a sua autoestima.
 
Tal como as outras crianças, deve ser avaliada para medir os seus conhecimentos com base numa norma e assim possuir referências. O melhor é comparar os resultados do momento com os realizados anteriormente.
 
Copiar, recopiar as lições e os textos, assim como os trabalhos de casa constituem exemplos de atividades que cansam terrivelmente o disléxico enquanto não for feita a reeducação.
 
É necessário verificar se realiza bem os trabalhos passados no caderno porque, ao chegar a casa, e apesar dos seus esforços, é incapaz de saber o que tem para fazer (pode escrever erradamente o número de uma página, confundir o caderno com o livro, não encontrar o excerto para ler...).
 
Na disciplina de Matemática, ao ler-lhe o enunciado, pode permitir-lhe resolver os exercícios porque, muitas vezes, não compreende ou interpreta mal o que lê, tendo dificuldades em descodificar.
Atribuir-lhe responsabilidades na turma (delegado de turma, apagar o quadro...) traz vantagens.
 
Deve encorajá-lo a ler e escrever, mesmo que cometa erros, deverá, todavia, evitar ler as suas avaliações em voz alta, sobretudo quando são muito baixas.
Ele é infeliz na língua materna e não só. Alguns professores contabilizam os erros em disciplinas como as Ciências da Natureza e a História. Por vezes, a criança disléxica só não é penalizada nas disciplinas artísticas e na Educação Física. É, portanto, penalizada de duas formas: pelos erros e pelo desconhecimento da matéria.


 
ORIENTAÇÕES E CONSELHOS:

 

Sugerimos algumas orientações e alguns conselhos fundamentais para lidar com crianças com dislexia, podendo assim o professor, em colaboração com os pais, ajudar na superação de algumas dificuldades quanto à organização.
· Proporcionar-lhe a máxima atenção individualizada e levá-la a pedir esclarecimentos quando lhe surge alguma dúvida;
· Confirmar sempre se compreendeu as tarefas escritas que lhe foram propostas;
· Assegurar-se que os textos que lhe são dados para ler correspondem ao seu nível de leitura;
· Repetir as instruções várias vezes e, se for necessário, fazê-la verbalizar para verificar se compreendeu;
· Permitir a gravação das aulas e a utilização de recursos como apontamentos, tabuada, calculadora, computador…;
· Não estar convencido de que o aluno se consegue lembrar do que aprendeu no dia anterior;
· Corrigir os seus trabalhos o mais rapidamente possível e neles destacar essencialmente os aspetos positivos;
· Valorizar os progressos de acordo com o seu esforço e não com o nível dos outros colegas da turma;
· Dar referências no tempo e no espaço:
- Referências visuais, táteis, assim como referências de orientação (propor, por exemplo, um horário pintado com cores diferentes para uma boa orientação ou um calendário pessoal no qual pudesse escrever...);
· Fornecer uma ajuda metodológica através de planos de trabalho, quadros, esquemas, fichas para superar a falta de organização do défice de memória:
- Estabelecer projetos muito estruturados com a ajuda do aluno;
- Explorar as condições de realização (a planificação das tarefas é de uma importância primordial). Este trabalho é suposto ser feito em colaboração com os pais que apoiarão o filho fora do horário escolar;
· Dar tempo ao aluno para explicar, comentar, justificar (este é um momento privilegiado para o acompanhamento);
· Adaptar as modalidades de avaliação de modo a permitir a observação do seu progresso:
- Separar a avaliação dos conhecimentos e da ortografia;
- Atribuir mais tempo para a realização dos testes de avaliação (a avaliação dos progressos, assim como a análise dos erros, são indispensáveis para estes alunos, podendo deste modo situarem-se em relação a si mesmos e às exigências escolares);
· Privilegiar a avaliação dos conhecimentos na oralidade e evitar situações que possam provocar perturbações emotivas relativas às dificuldades técnicas (por exemplo, a leitura em voz alta perante toda a turma);
· Não hesitar em utilizar, o mais cedo possível, o computador (escrever uma palavra no teclado, obrigando-o a prestar atenção à imagem da palavra):
- O corretor ortográfico integrado no computador permite escrever correcamente e assim poderá concentrar-se mais na expressão;
· Propor instrumentos facilitadores, como o computador, dicionário, calculadora, tabuada, gramática, sínteses (elaboradas com a ajuda do aluno). Estas ferramentas devem estar sempre à disposição do aluno, sobretudo na primeira fase de aprendizagem;
· Distribuir suportes escritos bem legíveis:
- Fotocópias da lição – ou resumo da mesma – antes ou depois da aula;
- Correção escrita dos principais exercícios feitos na aula.
Podemos sugerir que a turma possua cadernos para as várias disciplinas e nos quais os alunos mais rápidos efetuem todos os registos escritos (e também orais) das aulas. Estes cadernos deverão conter tudo o que foi realizado nas aulas, podendo ser consultados e mesmo fotocopiados por qualquer aluno.
· Indicar, por escrito, no caderno diário do aluno o trabalho de casa a realizar:
- Reduzir a quantidade de trabalhos de casa, consoante a lentidão, mas manter a exigência quanto à qualidade (conversar com os pais relativamente ao tempo máximo a conceder a esta tarefa).


 
Conclusão: Ainda há muito por aprender e muito para fazer. Todas estas certezas são provisórias porque cada aluno disléxico é único.
 

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Apontamentos sobre Dislexia

AUTOMATISMOS NA LEITURA


Para poder compreender os textos, a criança disléxica deve ter um alto nível de automatismo na identificação das palavras escritas. É o desenvolvimento desta competência que lhe permitirá atingir um nível de compreensão escrita igual ao da sua compreensão oral, libertando-a do peso da descodificação lenta e laboriosa ou ao recurso de antecipações contextuais árduas. A dislexia manifesta-se precisamente na incapacidade de desenvolver este tipo de competência.



DISLEXIA E VELOCIDADE DE LEITURA


Os estudos realizados mostram que os treinos, relativos à descodificação, não melhoram ou fazem-no de forma pouco eficiente, a velocidade de leitura, que necessita de outro tipo de treino.

Segundo a literatura, o treino mais reconhecido como eficaz sobre a fluidez, ou seja, a rapidez da leitura, é a técnica de repetição de letras, sílabas, palavras e frases lidas. Esta consiste em repetir continuamente até se obter uma determinada velocidade. É aconselhável um treino de seis minutos diários, durante seis a nove meses.



DISLEXIA E CONSCIÊNCIA FONÉMICA


Actualmente, é sobejamente reconhecido que :

1. As crianças do pré-escolar e do 1º ano de escolaridade que apresentam um atraso na aquisição da consciência fonémica, são crianças susceptíveis de manifestarem dificuldades na leitura.
2. As crianças mais velhas e os adultos que revelam dificuldade em ler, apresentam uma lacuna ao nível da consciência fonémica.

3. Os métodos utilizados na reeducação da dislexia que dão ênfase à consciência fonémica reduzem, com sucesso, as dificuldades na leitura.




O TREINO DA CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA NO PRÉ-ESCOLAR PODERÁ FUNCIONAR COMO UMA PREVENÇÃO DA DISLEXIA?




Embora alguns autores desvalorizem a importância do desenvolvimento das capacidades do processamento fonológico da língua materna, um estudo realizado em 1999, na Alemanha, por Schneider, W., Ennemoser, M., Roth, H. e Küsport, P., concluiu a importância do treino nas crianças com baixa consciência fonológica.

O estudo foi realizado com crianças com QI dentro da média, às quais foi passado um pré-teste que avaliou o seu nível de consciência fonológica (classificado de fraco, médio ou elevado). Foi implementado um programa de treino, com a duração de seis meses, não tendo o grupo de controlo usufruído de qualquer treino. No final, foi realizado um pós-teste. Às crianças do grupo experimental também lhes foram passados testes de leitura e escrita, no final do 1º e 2ºanos de escolaridade. Para mais pormenores, consultar o “ journal of Learning Disabilities”, Vol. 32, nº5.
Neste estudo concluiu-se que:

1. As crianças que apresentavam fracas habilidades metalinguísticas (de risco), apresentaram uma grande melhoria no desenvolvimento da sua consciência fonológica;

2. As crianças de risco que participaram no treino fonológico continuaram a progredir, comparadas com as crianças de risco, mas não treinadas, até ao final do 2º ano de escolaridade;

3. É evidente e claro que o desenvolvimento da consciência fonológica não foi proveitoso para todas as crianças que participaram neste estudo. No entanto, a maioria beneficiou do treino, a curto e a médio prazo;

4. O potencial dos programas de desenvolvimento da consciência fonológica, no pré-escolar, não deve ser subestimado, já que se pode afirmar, com alguma certeza, que há redução da prevalência das Dificuldades de Aprendizagem/dislexia, nas crianças de risco;

5. Ainda que o treino tenha ajudado a maioria das crianças do grupo experimental, algumas, de cada grupo, não obtiveram qualquer benefício.

Na globalidade, foram as crianças de risco que mais usufruíram do treino da consciência fonológica, porque houve uma influência significativa no seu desempenho na leitura e na escrita.

As crianças de risco, treinadas, ultrapassaram consideravelmente os seus colegas, não treinados, ao nível do 1º ano de escolaridade, enquanto que a diferença entre os dois grupos diminuiu na leitura, no final do 2º ano, mas foi mais marcante a nível da ortografia.
Os resultados indicam, de forma clara, que o treino das crianças consideradas de risco, no pré-escolar, contribui para a diminuição das dificuldades de aprendizagem/dislexia, não a eliminando totalmente.


DE QUE FORMA RECONHECEMOS AS PALAVRAS ISOLADAS?



Existem dois processos na identificação das palavras lidas.

1. Leitura pela via lexical, ou seja, o reconhecimento global
Reconhecimento visual de toda da palavra

2. Leitura via fonológica, ou seja, mediação fonológica
Decomposição da palavra e conversão das letras em sons

Um leitor competente utiliza eficazmente as duas vias.


A título de exemplo apresentamos a seguinte frase:
Ontem, a mãe de Otrudokabé convidou-nos para lanchar em sua casa.
Quase todas as palavras desta frase são conhecidas. O leitor competente vai utilizar a via lexical para ler a mensagem, excepto a palavra Otrudokabé, para a qual vai utilizar a via fonológica. Com efeito, sendo uma palavra desconhecida, tem de a decompor.


A CONSCIENCIALIZAÇÃO FONÉMICA

Recentemente foi publicado o livro,”Como aprender a ler?”, com prefácio de José Morais e no artigo escrito por Roger Beard, refere a importância da consciência fonémica (CF).

O relatório do National Reading Panel (Plano Nacional de Leitura)” revelou que ensinar crianças a manipular os sons da linguagem ajuda-as a aprender a ler. Os efeitos do treino da CF perduram muito além do final do treino. O ensino da CF produziu efeitos positivos, quer na leitura de palavras quer na leitura de pseudopalavras. Isto indica que a CF ajuda as crianças a descodificar palavras que são visualmente novas para elas, tal como as ajuda a lembrarem-se de como ler palavras familiares.

O treino da CF foi eficaz no estímulo da compreensão de leitura, apesar de o impacto ser menor do que na leitura da palavra. …De acordo com o NRP, a CF avaliada no início no jardim-de-infância é uma das melhores formas de prever o nível de sucesso da criança na leitura, em paralelo com o conhecimento das letras.

Tem havido um extenso debate profissional (por vezes referido como “guerras da leitura”) sobre esta matéria. O debate tem-se focado na hierarquia desenvolvimental e na importância da descodificação versus competências de compreensão. Os compromissos actuais enfatizam:

· Um equilíbrio entre os dois tipos de competências numa fase precoce do ensino

· O reconhecimento de que ambos os tipos de competências interagem e podem compensar-se mutuamente durante a leitura (Adams, 1990; Stanovich, 2000)”.


DISLEXIA, QUE FUTURO?

A evolução das dificuldades dependerá de vários factores:
1. Tipo de dislexia/disortografia e da sua gravidade;
2. Diagnóstico precoce;
3. A regularidade da intervenção;
4. A colaboração da família com todos os intervenientes no percurso académico do aluno;
5. Os apoios necessários para manter a motivação, face ao insucesso escolar.

Nas dislexias leves a moderadas, as dificuldades reduzir-se-ão, não desaparecendo totalmente e não comprometerão a escolaridade nem o prosseguimento dos estudos secundários, ou mesmo universitários, apesar de persistir um handicap na escrita.

Nos casos de dislexia mais severa poderão ser propostas orientações escolares especializadas, assim como, orientações profissionais em função dos interesses dos alunos.
Podemos então concluir que o diagnóstico precoce, a regularidade do apoio e a atribuição de medidas pedagógicas adaptadas permitem, actualmente, à maioria dos disléxicos, seguir um currículo escolar normal, sem comprometer a sua inserção social e profissional.


Ao folhear o livro “Mal-entendidos”, de Nuno Lobo Antunes, deparei-me com a seguinte metáfora:

“AS crianças com dislexia sobem a ladeira da aprendizagem com um saco de pedras às costas”.

Não poderia existir uma frase que exprimisse de forma tão eloquente, o que na realidade estas crianças e as suas famílias sentem, no seu dia-a-dia. Pela minha experiência, é sobretudo a mãe que acompanha o seu descendente, nesta lenta e penosa caminhada. Como refere o autor, isso cansa-as e desanima-as influenciando a sua auto-imagem e surgem com bastante frequência sentimentos de desvalorização e depressão.