quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


Como é que o cérebro cria sequências?

Estudo de Rui Costa revela que os neurónios dos gânglios da base
sinalizam a ligação dos elementos individuais numa sequência

In Ciência Hoje, 2014-01-27



O melhor conhecimento destes circuitos pode contribuir para o desenvolvimento de novas abordagens a diversas doenças neurológicas, como o Parkinson ou a doença de Huntington

Num artigo publicado ontem na revista científica Nature Neuroscience, o neurocientista Rui Costa, o pós-doutorado Fatuel Tecuapetla, ambos investigadores do Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, e Xin Jin, investigador no Salk Institute em San Diego – EUA, revelam que os neurónios dos gânglios da base sinalizam a ligação dos elementos individuais numa sequência.

Quando estamos a aprender a tocar piano, primeiro aprendemos umas notas, depois passamos às escalas e aos acordes e só então conseguimos tocar uma peça. O mesmo princípio pode ser aplicado à fala e à escrita, onde em vez de escalas aprendemos o alfabeto e as regras da gramática.

Mas como é que estes elementos mais pequenos são aglutinados, criando assim uma sequência única e com sentido?

Sabe-se que existe uma área específica no cérebro, os gânglios da base, responsável por um mecanismo denominado de chunking, através do qual o cérebro organiza de forma eficiente memórias e acções. No entanto, até agora sabia-se muito pouco sobre como é que este mecanismo é implementado nestes circuitos neuronais.

“Treinámos ratinhos numa tarefa em que os animais tinham de pressionar uma alavanca, a uma velocidade cada vez mais elevada. De certo modo semelhante a alguém que está a aprender a tocar uma peça de piano com um ritmo progressivamente mais acelerado,” explica Rui Costa. “Enquanto os ratinhos estavam a desempenhar esta tarefa, medimos a atividade neural nos gânglios da base e conseguimos identificar neurónios que processam uma sequência de acções como sendo um comportamento único.”



Estudo envolveu treino de ratinhos

Nos gânglios da base funcionam duas grandes vias ou circuitos neurais, a directa e a indirecta. Neste artigo, os autores mostram pela primeira vez que, apesar destas duas vias funcionarem de forma semelhante durante a iniciação do movimento, têm funções bem distintas durante a execução de uma sequência comportamental.

“Os gânglios da base e estes circuitos são absolutamente cruciais para a execução de ações. Estes circuitos são afetados em diversas doenças neurológicas, como o Parkinson ou a Doença de Huntington, nas quais a aprendizagem de sequências de ações está comprometida", acrescenta Xin Jin.

O trabalho publicado neste artigo é para Rui Costa “apenas o início desta história”. Os  vinte investigadores do “Neurobiology of Action Lab”, grupo liderado pelo investigador no Programa de Neurociências da Fundação Champalimaud, continuarão a estudar como é que os gânglios da base se organizam a nível funcional, durante a aprendizagem e execução de sequências de acções.